Controversial Marketing: Estratégia de Engajamento ou Risco Reputacional?

Introdução: Quando o ruído se torna estratégia

Nos últimos meses, já nutríamos o desejo de escrever sobre este tema, impulsionados pela crescente adoção de abordagens provocativas por parte de grandes corporações — ações que, em sua essência, parecem mais comprometidas em gerar repercussão como estratégia de comunicação em massa e/ou crescimento de mercado. Esse movimento estratégico, que utiliza a polêmica como combustível comunicacional, tem sido observado em diferentes segmentos, da moda ao esporte, da indústria cinematográfica ao universo político. Contudo, dentro da Rezende Marketing e Negócios, adotamos um princípio ético inegociável: evitar ao máximo ceder ao fascínio da crítica fácil e da estratégia de ataque raso e pessoal como ferramenta de posicionamento mercadológico.

Para nós, qualquer avaliação crítica sobre uma atuação profissional ou institucional deve ser precedida de uma análise séria, contextualizada e sustentada por dados. Isso porque, sem acesso aos indicadores-chave, objetivos estratégicos, métricas de desempenho e ao racional criativo de uma ação, toda tentativa de julgamento torna-se leviana. Além disso, há um risco ético considerável em atribuir a uma organização ou equipe a adoção intencional de determinada abordagem sem confirmação explícita de seus objetivos e métodos. Por esses motivos, optamos por investir em estudos acadêmicos e análises técnicas que nos permitam compreender, de forma mais sólida, os impactos dessa estratégia.

Dito isso, os acontecimentos recentes em torno da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a repercussão em torno do lançamento (e subsequente reposicionamento) da camisa vermelha como segundo uniforme da Seleção Brasileira nos oferecem uma oportunidade valiosa de reflexão profissional e acadêmica.

Desde o início da repercussão das redes sociais sobre uma suposta camisa vermelha da seleção brasileira, muitas coisas foram ditas, argumentos defendidos, posicionamentos políticos, comerciais e sociais. Esse ambiente inflamado, traz uma oportunidade franca e honesta de apresentarmos uma reflexão sobre essa abordagem que ganha cada vez mais espaço em planos de marketing de grandes corporações.

A explosão de debates nas redes sociais, o envolvimento emocional dos torcedores, a exposição espontânea gerada na mídia e a maneira como a narrativa foi sendo construída pela entidade revelam, intencional ou não, elementos clássicos do chamado “Controversial Marketing”, ou em sua tradução para a língua dessas terras tupiniquins, marketing controverso.

Este artigo, portanto, não tem como objetivo valorar a decisão da CBF, tampouco emitir juízo estético, ideológico ou tradicionalista sobre o uniforme. Não buscamos tomar partido na polêmica, mas sim entender, com rigor técnico e acadêmico, os fundamentos dessa estratégia e como ela pode ser benéfica ou danosa, a depender do planejamento, da execução e da capacidade de gestão de riscos reputacionais.

O que é o Controversial Marketing? Definição, conceito e aplicação prática

A estratégia de Controversial Marketing baseia-se no uso calculado de elementos que gerem discordância pública, debate intenso e polarização — não como um erro acidental de comunicação, mas como um recurso planejado para impulsionar a visibilidade do produto ou marca. Geralmente essas informações aparecem, intencionalmente como um vazamento, especulação ou outro canal terceiro que apresente a ideia, mas gere a entidade a capacidade de inferir junto ao engajamento sobre a confirmação ou não desta polemica. Para entendermos melhor, vamos tentar trazes alguns exemplos recentes de como essa abordagem tem sido adotada com crescente frequência e os resultados têm sido tão impactantes quanto imprevisíveis.

Exemplo emblemático é o da Disney, com a escalação da atriz negra Halle Bailey para interpretar Ariel no live-action de A Pequena Sereia. A decisão, anunciada de forma oficial em 2019, provocou uma imediata avalanche de comentários nas redes sociais. Muitos fãs da versão clássica questionaram a fidelidade estética ao desenho original e acusaram a empresa de ceder a agendas identitárias. Em contraponto, movimentos sociais e líderes de opinião celebraram a iniciativa como um avanço na representatividade racial em uma indústria historicamente eurocentrada. O impacto foi imenso: enquanto hashtags como #NotMyAriel ganharam força nos primeiros dias, campanhas com a representatividade exposta na imagem de crianças negras e a argumentação previamente pensada contribuiu com a adesão massiva de novos públicos e impulsionou o interesse pelo filme, garantindo um volume expressivo de cobertura midiática gratuita e antecipando o sucesso de bilheteria.

No caso do remake de Branca de Neve, previsto para 2025, a polêmica emergiu antes mesmo do lançamento do primeiro trailer. A escalação da atriz latina Rachel Zegler para o papel principal e a reformulação dos sete anões — substituídos por personagens diversos — geraram desconforto em em diversos setores, inclusive entre defensores das causas que a produção pretendia apoiar. Críticas sobre descaracterização cultural, apagamento da simbologia clássica e uso oportunista de causas sociais foram amplamente debatidas. Ainda assim, a repercussão posicionou o filme como centro de um debate sociocultural global, algo que dificilmente seria conquistado por meios tradicionais de divulgação.

A Warner Bros., por sua vez, também aplicou uma estratégia similar com a série Velma, lançada em 2023. Todos os clássicos personagens da turminha do Scooby foram redesenhados trazendo representatividade de diversas minorias e um ambiente com vilanização de outras maiorias. Tudo isso somado a uma série de críticas e polemicas abordadas episódio após episódio resultou em uma resposta polarizadora: embora tenha gerado recordes de visualizações em suas primeiras semanas, as avaliações do público foram majoritariamente negativas, refletindo a desconexão entre o reposicionamento narrativo e as expectativas do público-alvo. Mais recentemente, o estúdio anunciou a escolha de um ator negro para interpretar Severo Snape em uma nova produção do universo Harry Potter. A notícia, publicada inicialmente como especulação em portais de entretenimento e depois confirmada em nota oficial, seguiu a mesma trajetória: repulsa imediata de fãs nostálgicos e defesa apaixonada por setores progressistas.

É importante ressaltar que, ao trazer esses exemplos, não estamos emitindo juízo de valor sobre as escolhas técnicas, artísticas ou estéticas envolvidas. A discussão que propomos aqui se conecta diretamente à definição conceitual apresentada no início desta seção: o Controversial Marketing não está fundamentado em intenções estéticas ou narrativas por si só, mas na sua instrumentalização estratégica como elemento de comunicação. O que buscamos analisar é a forma como determinadas escolhas — que podem ser legítimas e relevantes do ponto de vista criativo — passam a ser utilizadas como catalisadores de atenção pública, por vezes mais voltadas à repercussão do que ao conteúdo em si.

O ponto central, portanto, não está na validade dos debates sociais suscitados, mas na forma como esses debates são planejados, amplificados e — eventualmente — monetizados por corporações que dominam as ferramentas da economia da atenção. A linha entre engajamento genuíno e manipulação simbólica é tênue, e é precisamente sobre esse limiar que se constrói o campo de atuação do marketing controverso: provocar discussões intensas como meio de ativar emocionalmente o consumidor, gerar buzz, obter mídia espontânea e, em última instância, reforçar a presença da marca no imaginário coletivo.

Mas por que essas decisões são tomadas? Em um mundo cada vez mais sensível a pautas identitárias e sociais, seria legítimo presumir que essas corporações estariam agindo por convicção ética, alinhadas ao brilhantismo Marketing 3.0 de Kotler que traz a importância do engajamento social e a participação institucional aos movimentos por equidade racial, de gênero, defesa do meio ambiente, justiça social, dentre outras pautas. No entanto, ao observarmos os padrões de ativação de campanhas e os contextos em que essas decisões são anunciadas, percebemos uma tendência recorrente de apropriação estratégica desses temas, muito mais voltada à amplificação comunicacional do que à transformação estrutural.

Infelizmente, não se trata, na maioria dos casos, de uma mobilização autêntica em prol das causas que dizem representar. Trata-se, antes, de uma sofisticada e arriscada estratégia de Marketing: O Controversial Marketing. Como já definimos, esse conceito refere-se à prática de introduzir pequenas polêmicas — muitas vezes iniciadas como rumores ou vazamentos — que servem como balões de ensaio: se a repercussão for favorável, a marca avança com sua narrativa; se negativa, emite notas de contenção ou reformula o discurso.

O padrão costuma se repetir: uma alteração simbólica ou reposicionamento criativo ativa uma reação negativa da base saudosista, tradicional ou conservadora. Essa reação gera comentários agressivos, vídeos críticos e manifestações nostálgicas. Em seguida, o efeito reverso se instala: ativistas, influencers e defensores das pautas envolvidas passam a contra-argumentar, gerando um conflito narrativo intenso, que amplifica organicamente o alcance da campanha. Em poucos dias, temos um ecossistema de debate — digital e presencial — em torno do produto. Trata-se, portanto, de um mecanismo de ativação pelo embate simbólico, não raro instrumentalizado pelas redes sociais e seus algoritmos de engajamento polarizado.

Benefícios e malefícios do Controversial Marketing: quando a atenção se torna campo de batalha

Ao analisarmos os impactos do Controversial Marketing, é fundamental reconhecer que esta estratégia opera com alta intensidade simbólica e emocional, o que a torna simultaneamente poderosa e perigosa. Entre os principais benefícios, destacam-se o alcance exponencial da mensagem, a geração de earned media (mídia espontânea) e o engajamento massivo, principalmente em plataformas digitais. Estudos como os de Waller (2006) e Deb e Maity (2023) demonstram que campanhas controversas ativam o sistema emocional do público-alvo, criando vínculos mais duradouros entre consumidor e marca — ainda que por oposição ou tensão.

Além disso, há um efeito colateral positivo frequentemente subestimado: tanto críticos quanto defensores da campanha tornam-se mais atentos ao produto final. A polêmica cria um campo de observação intensa em torno do lançamento. Cada detalhe da execução, seja um filme, uma peça publicitária ou um uniforme esportivo, passa a ser minuciosamente avaliado por ambos os lados, que buscam argumentos estéticos, técnicos ou ideológicos para reafirmar sua posição. Isso transforma o produto em centro de debate contínuo, o que prolonga seu ciclo de atenção e fortalece sua presença na mente do consumidor — o chamado mind share, conforme definido por Kotler e Keller (2018). Em contextos digitais, essa dinâmica de exposição ampliada se traduz em métricas concretas, como aumento de tráfego nos canais da marca, maior volume de buscas orgânicas e incremento no número de menções espontâneas em plataformas sociais — indicadores que, segundo Farris et al. (2016), são fundamentais para a avaliação do impacto mercadológico de campanhas orientadas por engajamento emocional. Essa exposição, ainda que ancorada na tensão e no conflito, frequentemente resulta em picos de conversão, mesmo entre públicos inicialmente alheios à proposta do produto, evidenciando a eficácia da atenção como moeda simbólica na nova economia da visibilidade.

Contudo, os malefícios são igualmente relevantes e precisam ser considerados com rigor. Primeiramente, o risco reputacional: uma execução mal calibrada ou percebida como oportunista pode provocar boicotes, crises de imagem e erosão de confiança da marca — como no caso da Spirit Airlines, cuja campanha foi vista como sexualmente ofensiva e resultou em queda de intenção de compra (ARNAUD et al., 2018). Além disso, há um custo invisível associado à polarização: o afastamento de segmentos tradicionais do mercado, a fragmentação do público e a perda de coerência institucional. Empresas que não possuem uma história consolidada de engajamento social genuíno tendem a sofrer ainda mais com esse tipo de abordagem, sendo acusadas de tokenismo ou manipulação moral (WALLER, 2018).

Por fim, um ponto crítico pouco abordado, mas central neste debate: a lógica de ativação simbólica do Controversial Marketing incentiva a perpetuação do conflito como motor de visibilidade. Cada novo ataque ou defesa ao produto amplia o ruído em torno dele. Esse ecossistema de oposição contínua acaba se tornando o próprio palco de sustentação da marca, o que pode ser eficaz no curto prazo, mas instável e exaustivo no longo prazo. Em um cenário onde os algoritmos priorizam interações extremas, essa retroalimentação de debates acalorados pode capturar a atenção de forma artificialmente sustentada, mas à custa da saturação do discurso e do desgaste da narrativa institucional. A longo prazo, essa estratégia pode comprometer a profundidade da conexão com o consumidor, reduzindo o relacionamento de marca a ciclos de choque e reatividade, em vez de lealdade, valor percebido e propósito claro. Gerar atenção é diferente de construir valor, e poucas marcas conseguem fazer ambas com equilíbrio e responsabilidade.

Para além da polêmica: a urgência da transdisciplinaridade nas decisões de marketing estratégico

Se o Controversial Marketing oferece vantagens táticas evidentes, sua aplicação exige um grau elevado de sofisticação estratégica, que transcende os limites tradicionais do setor de marketing. Cada campanha construída sob essa lógica deve integrar equipes multidisciplinares capazes de avaliar não apenas o impacto mercadológico, mas também as implicações socioculturais, jurídicas e reputacionais envolvidas. É nesse ponto que a abordagem transdisciplinar se revela indispensável.

De acordo com Kotler e Kotler (2013), em Market Your Way to Growth: 8 Ways to Win, as estratégias de crescimento sustentável devem ser estruturadas em múltiplos eixos, que incluem desde a inovação de produtos e serviços até a reformulação dos canais de distribuição e o reposicionamento de marca. Tentar crescer apenas por meio da visibilidade — sobretudo quando essa visibilidade é fruto de controvérsias — é um caminho vulnerável. O verdadeiro crescimento exige coesão interna, inteligência de mercado, análise de dados, alinhamento institucional e, sobretudo, propósito. O marketing não pode ser entendido como setor isolado, mas como função estratégica central da organização, que opera em diálogo com áreas como governança, ESG, jurídico e cultura corporativa.

As oito formas de crescimento apresentadas por Kotler (2013) — como expandir o mercado atendido, aumentar o uso do produto, promover a inovação contínua e fortalecer a marca — indicam que campanhas polêmicas podem até atuar como aceleradores de atenção, mas não devem ser confundidas com estratégias de longo prazo. A atenção é efêmera, a confiança é cumulativa. A construção de marcas sólidas requer consistência, sensibilidade cultural e adaptabilidade tática, elementos que só emergem de processos de decisão verdadeiramente integrados. Sem isso, o marketing controverso deixa de ser ferramenta e passa a ser ruído.

A lógica algorítmica das redes sociais — baseada em impulsividade, polarização e ciclos curtos de engajamento — não pode ser o eixo central das decisões estratégicas. Em vez disso, líderes de marketing devem cultivar um ecossistema de inovação que leve em consideração o comportamento do consumidor, a narrativa da marca e os impactos éticos e sociais de cada campanha. Estratégias ousadas são bem-vindas, mas precisam estar enraizadas em análises sistêmicas e decisões orientadas por propósito, e não apenas por métricas de alcance e viralização.

Conclusão: Estratégia, propósito e parceria

O Controversial Marketing é, sem dúvida, uma das ferramentas mais potentes do marketing contemporâneo. Quando bem planejada, sua capacidade de gerar engajamento, ampliar o alcance e inserir um produto no centro do debate público é extraordinária. No entanto, como demonstramos ao longo deste artigo, essa estratégia exige preparo, sensibilidade e, sobretudo, alinhamento com um plano maior de crescimento e construção de marca.

Na Rezende Marketing e Negócios, compreendemos que decisões estratégicas não devem ser tomadas com base em impulsos virais, mas fundamentadas em análise de dados, conhecimento de mercado e visão de longo prazo. Mais do que campanhas, criamos estruturas sólidas para que sua empresa cresça com consistência, autenticidade e impacto real.

Se você lidera uma marca que deseja ousar com responsabilidade, gerar conversas com relevância e consolidar sua posição no mercado, nós queremos caminhar ao seu lado. Vamos pensar juntos estratégias que conectem propósito e performance, com criatividade, profundidade e inteligência competitiva.

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Rezende Marketing e Negócios. Estratégia com essência. Resultado com inteligência.

REFERÊNCIAS

  • ARNAUD, Ana Carolina; SANTOS, Cláudia; GONÇALVES, Fernanda. Publicidade polêmica e o papel das crenças, emoções e atitudes: o caso da Spirit Airlines. Marketing Management Journal, v. 28, n. 2, p. 108–126, 2018.
  • BENDLE, Neil T. et al. Marketing metrics: the manager’s guide to measuring marketing performance. 3. ed. Upper Saddle River: Pearson Education, 2016.
  • DEB, Arindam; MAITY, Subhajit. Um estudo sobre o efeito do marketing controverso na reputação da marca: uma revisão sistemática da literatura. International Journal of Scientific Development and Research, v. 8, n. 9, p. 286–289, 2023.
  • FARRIS, Paul W. et al. Marketing metrics: the definitive guide to measuring marketing performance. 3. ed. Upper Saddle River: Pearson Education, 2016.
  • KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de marketing. 15. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2018.
  • KOTLER, Philip; KOTLER, Milton. Market your way to growth: 8 ways to win. Hoboken: John Wiley & Sons, 2013.
  • WALLER, David S. Marketing controversial products: a review of public policy issues. Journal of Consumer Marketing, v. 23, n. 2, p. 57–65, 2006.
  • WALLER, David S. Controversial advertising: a case of marketing blunder versus marketing gimmick. In: BANSAL, Rajeev (ed.). A case book on contemporary issues in management. Hyderabad: ICFAI University Press, 2018. p. 97–110.